sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Perspetiva



Naquele que parecia ser o dia mais agradável do ano, o sol não podia brilhar mais e a temperatura não podia ser outra. Paralelamente, eles sentiam-se completamente concretizados e a felicidade parecia não ter limites. Promessas, juras, compromissos! Afeto, carinho, ternura! Abraços, beijos, carícias!
“Sabes, tenho medo do futuro…”
“Oh querida, não penses nisso por agora. Sabes que o melhor que temos a fazer é viver o presente… Tem sido muito bom estar ao teu lado. Vamos aproveitar estes momentos maravilhosos que a vida nos oferece.”
“Eu concordo contigo. Este primeiro ano de casamento tem sido fantástico! Mas não te quero perder, meu amor… Quero envelhecer ao teu lado. Quero sentir a tua presença ao longo do tempo. Não importa por o que passemos, mas quero garantir que ficaremos sempre um ao lado do outro. Prometes que não me abandonas?
Nunca te abandonarei. Seremos sempre um só. Sabes que se não fosse para ter este pensamento sempre presente, eu não casaria. Tu, realmente, fizeste-me acreditar que o mundo teria muito mais a oferecer contigo ao meu lado. Hoje, posso dizer que sou feliz. Tenho ao meu lado a mulher mais linda do mundo!”
“Oh, sabes bem que isso é tudo uma questão de perspetiva…”
“É a minha perspetiva! E isso é o que mais te deve importar!”
“Tu, realmente, consegues sempre dar-me a volta!”
Se há coisa que não pede agendamento, nem licença para progredir, é aquilo a que comum e gentilmente se chama de tempo. Na verdade, se tomasse a designação de abismo, em muitas ocasiões, não seria completamente desapropriado…
“Estás muito bonito hoje! Gosto de te ver assim! Amanhã vais estar muito melhor! Depois de amanhã, as melhoras vão ser muito mais evidenciadas! Depois de depois de amanhã já nem nos vamos lembrar de como estavas ontem! E vai ser assim… E daqui a uns dias já vais estar em casa, na nossa casa, e já te vais sentir como novo! E eu? Já vou conseguir adormecer a olhar para ti. Já vou conseguir reconstruir, mentalmente, inúmeros instantes marcantes por que passámos.”
Na ausência de palavras, a verdade é que aqueles olhos cheios de água queriam mostrar muito mais do que qualquer lista infindável de vocábulos! Evidenciavam uma pluralidade de sentimentos, uma explosão de pensamentos, uma cascata de acontecimentos, uma sequência de anos e momentos.
“A nossa filha está lá fora à espera para te ver. Conseguiu sair mais cedo do trabalho para vir falar um bocadinho contigo. E ainda conseguiu ir buscar a nossa neta à escola…”
Uma lágrima tende a escorrer pelo rosto dele, e nada pode fazer para a impedir. Nada pode fazer para esconder o deslize e a evidência da uma tristeza profunda.
“Minha senhora, peço desculpa mas vai ter de sair. Já passou o tempo da visita…”
Tu disseste que nunca me abandonarias. Mas realmente, é tudo uma questão de perspetiva. E acredites ou não, continua a ser a tua… a minha… a nossa perspetiva. Porque sei que nunca me abandonarás.



segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Escalas e limites


Enquanto se aquecia junto à lareira do seu humilde apartamento, começava a associar progressivamente a sua vida às brasas que começavam a evidenciar-se, e dava por si a comparar a intensidade da sua existência à pujança das chamas daquele lume. Também aquela fogueira já tivera estado mais acesa, e também ela já se sentira mais brilhante.
Devia estar a fazer um ano desde aquela última chamada. Se, por momentos, ao longo da sua vida, achou que ligar a alguém significava encurtar a distância, desde aquele telefonema ela passou a pensar neste aparente facto evidente, de uma forma precisamente contrária.
“Estás a ouvir-me?”
“Completamente!”
“É que não parece nada!”
“Quem te disse que devemos viver de aparências?”
“Ninguém me disse. Não quero viver de aparências. Nunca vivi dessa forma. E muito menos quero passar a viver! Porque eu quero ser feliz.”
            “Eu também quero.”
“Sabes que do querer ao fazer algo para tal vai um longo caminho?”
“Sei que é um caminho que, para além de longo, é complexo, é trilhado, é desafiante.”
“Ai é isso que achas que sou? Um desafio? Um jogo de estratégia?”
“Se te consideras um desafio, eu quero desafiar. Se és um jogo de estratégia, eu quero arranjar a melhor forma para ganhar, porque só achava que era um homem sem sorte até te conhecer.”
“Ouve, eu quero sentir isso que estás a dizer. Já não me basta que fales palavras bonitas, nem que tentes olhar-me com esses teus grandes e lindos olhos, nem me basta pensar que até estás a falar seriamente. Depois de todo este tempo, eu quero mais, eu sinto que mereço algo melhor!”
“Como me podes exigir mais do que aquilo que posso dar a alguém?”
“O que tens dado não é o suficiente.”
“Nem que eu te diga que é o melhor que consigo oferecer?”
“Consegues dizer-me que estás a dar o teu melhor?”
“Estou a dar-te o meu melhor.”
Aquela conversa permanecia na sua recordação e atormentava-a a cada dia que passava. As lembranças dos momentos que tinham passado juntos, as memórias dos sorrisos de ambos quando se aventuravam a fazer ou a dizer algo de novo, as recordações daqueles beijos desejosos e, ao mesmo tempo, sentimentais, tudo isso fazia com que ela, naquele momento, sentisse um aperto enorme no peito, e desejasse não ter começado aquela conversa, nem ter progredido à medida que sentia que ele estava, de facto, a falar com o coração.
“Então desculpa, mas o teu melhor não me chega. E se estás no limite, também eu estou no limiar da resignação em relação a nós. Não me chega o teu máximo porque ele está a bater na minha linha média. Não me voltes a ligar.”
Naquela noite fria de um outono dianteiro, ela arrependia-se de ter dito aquelas palavras. Arrependia-se de o ter afastado da sua vida, e desejava voltar o tempo atrás.
Hoje, ela já não se arrepende mais do que tivera dito, nem do que tivera feito.
“Foi preciso mais de um ano para ignorares o meu pedido de não me voltares a ligar... Porquê?”
“Porque queria ter a certeza que o meu máximo não se ficava pela tua metade. Porque queria ter a certeza que era o homem certo para ti. Porque queria comprovar a mim mesmo que, mesmo depois de mais de um ano passado e da tua ausência física, eu te amaria da mesma forma.”
“E então, ainda me amas como de antes? É que durante este tempo apercebi-te que o teu máximo, afinal, rebenta com a minha escala.”
“Não… Desculpa, mas já não te amo como de antes. Apercebi-me que não conhecia os meus limites… Sabes porquê? Porque durante este tempo conheci-me melhor e apercebi-me que te amo ainda mais.”


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eu sei que um dia me vais perdoar



Estava uma noite tranquila, contrariamente à forma como se encontrava a mente dela.
Passava meia hora das duas da manhã. Naquele dia, ao acordar cedo, tinha prometido a si mesmo que se deitaria a horas decentes. Tentou cumprir a promessa que fizera, no entanto, apesar de, naquela hora da noite, o corpo se encontrar numa posição razoavelmente pacata, a sua imaginação e o seu pensamento voavam até bem longe.
Num impulso, decide acender a luz, afastar a única peça que lhe cobre o corpo e deslocar-se até à outra parte do apartamento. Abre a persiana da sala e avista, com alguma dificuldade, o mar, lá ao fundo. Estava uma noite de nevoeiro cerrado, e tanto luzes como os contornos de algumas pessoas que andavam pela calçada pareciam distorcidos e irreais, em concordância com o seu estado de espírito.
Nevoeiro, tristeza, saudade, angústia, aflição. É o que sente, a estas horas, nesta sala, onde já tinha sido tão feliz, onde já tinha vivido tanta coisa, onde ainda havia tanto para viver.
Aquele tempo que tantas vezes caracteriza as noites de Agosto, numa cidade à beira-mar, impedia a correta visualização do que se passava lá fora; o detalhe era impossível de se obter. Também ela tentava detalhar aquele momento trágico, mas não conseguia. Mais uma vez, era tudo um clarão, era tudo uma incerteza; rondava tudo a imperfeição da vida.
Tentou desviar os pensamentos que a atormentavam cada vez mais. Sempre ouvira dizer que o tempo cura tudo, mas estava a constatar que isso não passava de uma forma reconfortante e animadora que as pessoas usavam para tentar viver de uma forma mais positiva, a cada dia que passasse, após um acontecimento marcante e infeliz. Com ela, tudo piorava a cada noite que passada, a cada momento em que a sua mente revivia aquele nefasto acidente.
Passaram 2 anos desde a última vez que se tinham abraçado fortemente, desde que tinham jurado que iriam ficar juntos para todo o sempre, desde aquela noite em que fizeram amor de uma forma tão intensa e apaixonante. Ela nunca mais esquecera a intensidade do seu beijo, o poder da sua língua, a magia dos seus braços, a impetuosidade do seu olhar. Era como se aquela sinistra noite, fosse aquela mesmo.
Volta a olhar a cidade lá fora. Por momentos, o coração bate mais forte e, inconscientemente, foca o seu olhar naquele homem. Não consegue ver nada mais do que um vulto, uns contornos, um andar característico; é tudo o que consegue identificar.
Ele não voltaria para a beijar ou abraçar da forma maravilhosa com que o fazia tão frequentemente. De qualquer das formas, aqueles segundos de curiosidade, surpresa e imaginação, apaziguaram-lhe a alma, e uma lágrima correu-lhe pela cara.
Ao menos a imaginação levou-a a encontrar alguém na calçada, tão semelhante a ele.
Tenta esconder a ela própria que aquela lágrima tinha realmente caído. Fecha e abre os olhos repentinamente, na esperança de todo aquele sofrimento passar com aquele gesto.
Eu sei que um dia, seja onde for, me vais perdoar por aquele minuto fatal. Provavelmente, mais rapidamente do que eu.
Vai deitar-se, novamente, com o mesmo sentimento de perda. Pega no telemóvel e abre a pasta com algumas das mensagens enviadas por ele: “A forma com que te tornaste infinitamente importante é estranhamente encantadora. Quero-te comigo até ao final dos meus dias.”
Apaga a luz e tenta adormecer com a ideia de que aquela mensagem tinha existido, naquela precisa noite.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Questão de tempo

Dizes que nunca serás capaz de esquecer este momento. Posso mesmo acreditar em ti? É que eu vou sempre associar este local, esta cidade, este estado de espírito, a ti! Só a ti! Porque só tu interessas. E vai ser sempre assim…
Ela recordava estas palavras, enquanto passeava pelo areal, ao mesmo tempo que contemplava o mar e era aquecida pelo sol de final de tarde. Tinham passado precisamente oito anos e tinha sido exatamente naquele local que tinham feito juras de amor eterno.
Pouco tempo depois, e de forma inexplicável, as juras de amor eterno ficaram-se, provavelmente, pelos grãos de areia daquela praia, ou então pelo sal daquela água onde tantas vezes fizeram amor, de forma incondicional e não premeditada.
Ele, simplesmente, deixara de a contactar, decidira alterar o número de telemóvel e afastá-la, completamente, da sua vida. Um e-mail enviado foi o que ele considerou como suficiente para terminar uma relação que já durava há vários anos. Mudara de cidade, mudara de vida e decidira, mera e inexplicavelmente, eliminar dela aquela que jurava ser a mulher que sempre amaria.
Oito anos depois, após ter ficado aquele tempo todo sem visitar aquela cidade, ela decide voltar lá. Recorda, de uma forma imutável, o quanto tinham prometido que nunca iriam passar férias naquela cidade, sem que fosse na companhia um do outro. Mas oito anos depois ela resolveu quebrar a promessa e encarar aquele fantasma, de uma vez por todas.
Ao mesmo tempo que sentia a brisa na cara, os pensamentos teimavam em invadi-la, vincadamente; ao mesmo tempo que sentia o seu cabelo a voar, as lágrimas teimavam em cair, compassadamente.
Pega num cigarro, na expectativa de diminuir aquela dor, aquele aperto, aquela ansiedade. Repara que é o último. Faltavam 15 minutos para as oito e decide sair da praia e dirigir-se a um café/restaurante, para retocar a sua fonte de nicotina.
Entra, procura a máquina do tabaco. Encontra-se no fundo do recinto, mesmo ao lado de uma mesa que continha um bolo de aniversário, uma criança e um casal.
Dirige-se à máquina.
Deviam ter terminado de cantar os parabéns naquele instante, porque uma senhora decide levantar-se e dar os parabéns à criança.
Parabéns! Então diz-me lá pequerrucho, quantos anos fazes?
Filho, não estás a ouvir a senhora? Depois desembrulhas o presente!
Ela sente um calafrio ao ouvir aquela inesquecível e arrepiante voz. O sangue parece deixar de circular. O ar parece não ser suficiente.
Ah, desculpe. Já faço oito anos!
Mas, num instante, e já com o maço na mão, tudo passou a fazer sentido. Porque é tudo uma questão de tempo…


domingo, 11 de agosto de 2013

“Agora estou bem…”

Eram apenas 23:15 horas mas o dia tinha sido tão comprido que não resistiram ficar acordados nem mais um minuto.
A noite estava quente, a temperatura deveria rondar os 35 graus. O silêncio era notório e tudo demonstrava que iria ser uma noite calma e tranquila.
Durante o dia tinham andado pelo Gerês. Tinham saído de casa bem cedo, para aproveitar o dia ao máximo. O calor, a paisagem, o amor que os unia e a paixão evidente foram ingredientes para um dia bem passado. Um dia recheado de alegria, risos, beijos, abraços, promessas, carinho, união!
Ele já tinha estado lá com os amigos, há cerca de 3 anos atrás. Mas tinha sido um dia bem diferente, em que as cervejas eram uma constante, e a diversão tinha sido outra. Anedotas, histórias apimentadas, casos passados e amizades coloridas eram os temas fulcrais daquele encontro masculino.
Agora, as coisas eram diferentes. Ele estava feliz com ela. Nada levaria a pensar que ele estaria com um pingo de interesse noutra mulher.
O telemóvel dele vibrou e ela achava que era o irmão dele a dizer que, finalmente, já era pai e que tudo tinha corrido bem com o parto.
Abre a mensagem. “Amei a noite passada. Sonho passar todas as noites contigo. Quero-te e já tenho saudades tuas. Livra-te dela que estou à tua espera.”
Sente-se angustiada, ao mesmo tempo que olha para ele com uma vontade imensa de o empurrar daquela cama, de sair daquela casa e de nunca mais olhar para a cara dele. Levanta-se num impulso, larga o telemóvel sobre a cama, arruma as coisas dela, num choro compulsivo, num tormento constante. Uma sensação de que o mundo caiu sobre ela e de que nunca mais acreditará em mais ninguém. Afinal, com ele, ela era feliz! Muito feliz, aliás!
Ele continua a dormir. Não sente nada.
A noite passa e o despertador toca. Ele beija-a como faz todas as manhas. Ela assusta-se e, num impulso, solta um “ai”.
“Que se passa, amor? Sentes-te bem?”
Uma sensação de alívio. Uma maré de felicidade. Um sopro de ar. Não tinha passado de um sonho. Ele estava ali, com ela. Ele estava ali e era só dela.
Ela sorriu. “Agora estou bem… Estás ao meu lado! Quero-te sempre aqui.”
Ele beijou-a. “Vou estar sempre aqui. Vou ser sempre teu.”