Enquanto se aquecia junto à lareira
do seu humilde apartamento, começava a associar progressivamente a sua vida às
brasas que começavam a evidenciar-se, e dava por si a comparar a intensidade da
sua existência à pujança das chamas daquele lume. Também aquela fogueira já
tivera estado mais acesa, e também ela já se sentira mais brilhante.
Devia estar a fazer um ano desde aquela
última chamada. Se, por momentos, ao longo da sua vida, achou que ligar a
alguém significava encurtar a distância, desde aquele telefonema ela passou a
pensar neste aparente facto evidente, de uma forma precisamente contrária.
“Estás a ouvir-me?”
“Completamente!”
“É que não parece nada!”
“Quem te disse que devemos viver de aparências?”
“Ninguém me disse. Não quero viver de aparências. Nunca vivi dessa forma.
E muito menos quero passar a viver! Porque eu quero ser feliz.”
“Eu
também quero.”
“Sabes que do querer ao fazer algo para tal vai um longo caminho?”
“Sei que é um caminho que, para além de longo, é complexo, é trilhado, é desafiante.”
“Ai é isso que achas que sou? Um desafio? Um jogo de estratégia?”
“Se te consideras um desafio, eu quero desafiar. Se és um jogo de
estratégia, eu quero arranjar a melhor forma para ganhar, porque só achava que
era um homem sem sorte até te conhecer.”
“Ouve, eu quero sentir isso que estás a dizer. Já não me basta que fales palavras
bonitas, nem que tentes olhar-me com esses teus grandes e lindos olhos, nem me
basta pensar que até estás a falar seriamente. Depois de todo este tempo, eu
quero mais, eu sinto que mereço algo melhor!”
“Como me podes exigir mais do que aquilo que posso dar a alguém?”
“O que tens dado não é o suficiente.”
“Nem que eu te diga que é o melhor que consigo oferecer?”
“Consegues dizer-me que estás a dar o teu melhor?”
“Estou a dar-te o meu melhor.”
Aquela conversa permanecia na sua
recordação e atormentava-a a cada dia que passava. As lembranças dos momentos que
tinham passado juntos, as memórias dos sorrisos de ambos quando se aventuravam
a fazer ou a dizer algo de novo, as recordações daqueles beijos desejosos e, ao
mesmo tempo, sentimentais, tudo isso fazia com que ela, naquele momento,
sentisse um aperto enorme no peito, e desejasse não ter começado aquela
conversa, nem ter progredido à medida que sentia que ele estava, de facto, a
falar com o coração.
“Então desculpa, mas o teu melhor não me chega. E se estás no limite,
também eu estou no limiar da resignação em relação a nós. Não me chega o teu
máximo porque ele está a bater na minha linha média. Não me voltes a ligar.”
Naquela noite fria de um outono
dianteiro, ela arrependia-se de ter dito aquelas palavras. Arrependia-se de o
ter afastado da sua vida, e desejava voltar o tempo atrás.
Hoje, ela já não se arrepende mais
do que tivera dito, nem do que tivera feito.
“Foi preciso mais de um ano para
ignorares o meu pedido de não me voltares a ligar... Porquê?”
“Porque queria ter a certeza que o
meu máximo não se ficava pela tua metade. Porque queria ter a certeza que era o
homem certo para ti. Porque queria comprovar a mim mesmo que, mesmo depois de
mais de um ano passado e da tua ausência física, eu te amaria da mesma forma.”
“E então, ainda me amas como de antes?
É que durante este tempo apercebi-te que o teu máximo, afinal, rebenta com a
minha escala.”
“Não… Desculpa, mas já não te amo
como de antes. Apercebi-me que não conhecia os meus limites… Sabes porquê?
Porque durante este tempo conheci-me melhor e apercebi-me que te amo ainda
mais.”
Selma, tens qualidade narrativa. Acho que se escrevesses um livro, certamente seria bem aceite pelo público. Escreves muito bem.
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