Naquele dia fazia dois anos desde que tivera a
discussão que mudou a sua vida. Muitos hábitos foram alterados desde então,
muitos serões foram modificados, muitos costumes foram introduzidos no
quotidiano dela. Todas as mudanças surgiram progressiva e espontaneamente, sem
que ela fizesse planos de nada que tivesse a ver com o seu futuro.
Dois anos depois, deitada no seu sofá, ela dá por si a
contabilizar, precisamente, o tempo que discutiram, o assunto em discussão e as
repercussões a que acabou por assistir, como consequência desse conversa
descontrolada. Relembrou que já fazia dois anos desde que tinham terminado a
relação de cinco e, subitamente, sentiu um vazio e uma ansiedade que não sentia
há muito.
Destemida e decidida a libertar-se daqueles
pensamentos, levanta-se, veste o seu casaco de pelo, pega no telemóvel e resolve
sair de casa. Fazia muito frio, o que a fez esconder-se por dentro do seu
casaco de capuz. Ao mesmo tempo que o seu corpo a obrigava a esconder-se por
entre a roupa, os seus pensamentos insistiam e, desta vez, recordava palavras
que nunca iria esquecer… “Desde que te
conheci durmo menos mas muito melhor, meu amor…”, “Estou viciado em ti… o que é perigoso, dado que ainda só experimentei
uma vez…”, “Fazes-me andar o dia todo
a sorrir…”.
Envolvida nos pensamentos que surgiam em cascata,
deseja atravessar para o outro lado da rua e fá-lo sem olhar à sua volta…
“Mãe?! Onde estou?”, “Calma, vai dar tudo certo!
Estamos só a fazer uns exames para ter a certeza que está tudo bem! Foste
atropelada…”, “…E o meu filho?”, “Ele está la fora… Trouxe-o comigo… A propósito,
está bem acompanhado, penso eu…“
A porta abre-se e a mãe sai, dando lugar a um rapaz
com um ar preocupado e destemido.
“Que fazes aqui?!”
“Calma, por
favor… Há umas coisas que te quero dizer há muito, mas nunca tive a coragem
suficiente… Sabes? Apesar de dormir mais desde aquela nossa discussão, nunca
mais as minhas noites foram as mesmas! E sim, continuo num processo de
desintoxicação de ti, mas não está a resultar… Porque sem ti, não vale a pena
acordar a sorrir! Será possível voltar o tempo atrás? Ou pelo menos, fazer um
futuro diferente? Naquele dia eu não pensei… Deixei-me levar completamente pela
emoção e não pensei que era uma vida em jogo… Aliás, três vidas! Por favor,
deixa-me mudar o futuro, já que não posso mudar o passado! Por ti, por mim,
pelo nosso filho… ”
Ela olha para ele e apenas sorri… Porque foram enormes
as mudanças na vida, mas nenhuma suficientemente grande que a fizesse
esquecê-lo… Nenhuma suficientemente importante que a fizesse seguir em frente,
sem olhar para trás…