quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eu sei que um dia me vais perdoar



Estava uma noite tranquila, contrariamente à forma como se encontrava a mente dela.
Passava meia hora das duas da manhã. Naquele dia, ao acordar cedo, tinha prometido a si mesmo que se deitaria a horas decentes. Tentou cumprir a promessa que fizera, no entanto, apesar de, naquela hora da noite, o corpo se encontrar numa posição razoavelmente pacata, a sua imaginação e o seu pensamento voavam até bem longe.
Num impulso, decide acender a luz, afastar a única peça que lhe cobre o corpo e deslocar-se até à outra parte do apartamento. Abre a persiana da sala e avista, com alguma dificuldade, o mar, lá ao fundo. Estava uma noite de nevoeiro cerrado, e tanto luzes como os contornos de algumas pessoas que andavam pela calçada pareciam distorcidos e irreais, em concordância com o seu estado de espírito.
Nevoeiro, tristeza, saudade, angústia, aflição. É o que sente, a estas horas, nesta sala, onde já tinha sido tão feliz, onde já tinha vivido tanta coisa, onde ainda havia tanto para viver.
Aquele tempo que tantas vezes caracteriza as noites de Agosto, numa cidade à beira-mar, impedia a correta visualização do que se passava lá fora; o detalhe era impossível de se obter. Também ela tentava detalhar aquele momento trágico, mas não conseguia. Mais uma vez, era tudo um clarão, era tudo uma incerteza; rondava tudo a imperfeição da vida.
Tentou desviar os pensamentos que a atormentavam cada vez mais. Sempre ouvira dizer que o tempo cura tudo, mas estava a constatar que isso não passava de uma forma reconfortante e animadora que as pessoas usavam para tentar viver de uma forma mais positiva, a cada dia que passasse, após um acontecimento marcante e infeliz. Com ela, tudo piorava a cada noite que passada, a cada momento em que a sua mente revivia aquele nefasto acidente.
Passaram 2 anos desde a última vez que se tinham abraçado fortemente, desde que tinham jurado que iriam ficar juntos para todo o sempre, desde aquela noite em que fizeram amor de uma forma tão intensa e apaixonante. Ela nunca mais esquecera a intensidade do seu beijo, o poder da sua língua, a magia dos seus braços, a impetuosidade do seu olhar. Era como se aquela sinistra noite, fosse aquela mesmo.
Volta a olhar a cidade lá fora. Por momentos, o coração bate mais forte e, inconscientemente, foca o seu olhar naquele homem. Não consegue ver nada mais do que um vulto, uns contornos, um andar característico; é tudo o que consegue identificar.
Ele não voltaria para a beijar ou abraçar da forma maravilhosa com que o fazia tão frequentemente. De qualquer das formas, aqueles segundos de curiosidade, surpresa e imaginação, apaziguaram-lhe a alma, e uma lágrima correu-lhe pela cara.
Ao menos a imaginação levou-a a encontrar alguém na calçada, tão semelhante a ele.
Tenta esconder a ela própria que aquela lágrima tinha realmente caído. Fecha e abre os olhos repentinamente, na esperança de todo aquele sofrimento passar com aquele gesto.
Eu sei que um dia, seja onde for, me vais perdoar por aquele minuto fatal. Provavelmente, mais rapidamente do que eu.
Vai deitar-se, novamente, com o mesmo sentimento de perda. Pega no telemóvel e abre a pasta com algumas das mensagens enviadas por ele: “A forma com que te tornaste infinitamente importante é estranhamente encantadora. Quero-te comigo até ao final dos meus dias.”
Apaga a luz e tenta adormecer com a ideia de que aquela mensagem tinha existido, naquela precisa noite.