“O que vês?” “Para além das árvores despidas? Do céu nublado? Da claridade obstruída? Das estradas molhadas? Do fumo a sair das chaminés? E das pessoas encasacadas?” “Sim, para além disso, para além da calçada escorregadia e escondida, para além das noites estreladas e frias, para além das noites nubladas e húmidas…” “Para além de tudo isso vejo o desconhecido, vejo o inatingível… Sinto falta da firmeza, da certeza, da sensação de que tudo correrá da melhor forma e com a melhor pessoa…” “Não consegues ver uma luz?” “Negra, é a única que vejo…” “Sabes, a imaginação influencia muito a visão…” “Sei disso tão bem… Para mim, todos os sentidos me influenciam… Sou, pura e simplesmente, dominada por eles. Só eles me levam até onde quiserem… Eu oiço aquela música, sinto aquele perfume, vejo aquela imagem e consigo saborear cada momento passado e tocar em cada parte dele…” “Tudo porque imaginas?” “Não... Tudo porque sinto… Tudo porque me rejo pelo «sentir tudo de todas as formas».” “E se te tentares abstrair de um dos sentido?” “Sentirei os outros em dobro! Se fechar os olhos enquanto estiver a ouvir aquela música, mais vincada será a recordação… Se fechar os olhos enquanto estiver a cheirar aquele perfume, mais marcante será aquela lembrança! Se…” “E se te abstraíres de todos eles?” “Se o fizesse deixaria de ser eu… Se o tentasse fazer perderia toda a minha essência…” “Mesmo que o não o fazeres te faça sofrer?” “Mesmo que sofrer seja tudo o que me resta! Se a minha sina é essa, então que o seja… Nada farei para mudar…” “Acreditas nisso?” “Acredito… Acredito no destino!” “Mas…” “Mas, neste momento, tudo o que quero é sentir!” “E o resto?” “Que resto? Eu resumo-me a sentidos! Não há excedente possível!” “Então, por favor, apercebe-te da minha existência! Ouve-me, vê-me, cheira-me, toca-me, saboreia-me…”